“Desenvolvemos a capacidade de ter três ouvidos e uma boca” para ouvir bem mais do que falar. Foi assim que Paulo Correa, CEO da C&A, conseguiu sintetizar o caminho de reinvenção que a empresa vem vivendo. A empresa disputa a liderança no segmento. Em levantamentos como o do Valor Econômico ela aparece em 1º lugar com participação de 6,3% do varejo de moda feminina, em outros, como o Marcas Mais do Estadão, fica em 2º lugar. Isso não é nada fácil num segmento que encolheu 6,6% em 2016 (conforme a Serasa).
O executivo foi um dos destaques do 2º dia do Congresso E-commerce Brasil Vendas 2017 onde falou com sinceridade sobre o desafio cada vez mais difícil de atuar no mercado da moda. “Agora, em fevereiro, aconteceu a Semana de Moda de Nova York para lançar a coleção outono-inverno, que estará nas lojas dos Estados Unidos no final do segundo semestre. Anos atrás, esses lançamentos iriam impactar o Brasil apenas no inverno de 2017. Hoje, com o advento das redes, tem gente já lançando aqui, agora em junho, peças inspiradas no que foi apresentado lá em fevereiro – antes mesmo que cheguem nas lojas americanas” conta ele, para justificar como a globalização e a internet são novos aspectos que interferem diretamente nesse mercado.
Paulo vem liderando uma série de mudanças num segmento que ele considera uma “metamorfose ambulante”. “O consumidor está conectado, mais exigente e imediatista”, acredita ele, que considera também o empoderamento feminino como um outro aspecto a ser considerado nessa mudança. Por esses e outros motivos, vem implementado uma série de iniciativas, consideradas fundamentais para tornar a marca relevante e com condições de conseguir entregar opções nas prateleiras e na web, para que o consumidor encontre o seu estilo de se expressar no mundo:
– Justo é o novo preto – A Malha (um movimento colaborativo por uma moda mais sustentável) e o Instituto C&A, em novembro do ano passado, fecharam uma parceria afim de criar um movimento para cocriar o futuro da moda, tornando-a mais colaborativa e mais sustentável. “Cada vez mais o propósito da rede C&A é oferecer opções nas lojas para que as pessoas façam suas escolhas sem rótulos. E apesar dos avanços, de toda a tecnologia, as pessoas querem saber de onde tudo vem e como é feito”, declarou Paulo Correa ao blog Olho Mágico. A iniciativa prevê e incubação de novas marcas, workshops e também um polo, que vai transformar resíduos ou peças descartadas em novos produtos.
– Transparência – Paulo Correa está ligado no que o consumidor quer saber: onde a roupa foi feita; por quem foi desenhada; quem forneceu a matéria-prima. Um exemplo disso foi a divulgação da lista de fornecedores globais da empresa. “Isso sempre foi um tabu nessa indústria, a regra era esconder quem eram os fornecedores. Em breve, vamos listar também todos os fornecedores do Brasil”. Outro aspecto da transparência é usar o algodão sustentável em todas as peças – hoje está sendo utilizado em parte da produção – mas até 2020 todas as peças serão feitas com essa matéria-prima certificada.
– Colaboração – A empresa também vem investindo na colaboração como um processo, tanto de criação quanto de aprovação de peças e campanhas. Um exemplo é o Conselho de Consumidores, onde 2.500 pessoas são aleatoriamente convidadas para participar do processo de criação e aprovação de peças, coleções e campanhas. “Trazemos para o conselho a ideia de dois ou três filmes. Eles são apresentados e aquele que o Conselho considera o melhor será produzido”, explica ele. Outro aspecto da colaboração foi a criação do concurso “Verão Misturado C&A”, quando consumidores postaram fotos que serviram de referência para criação da nova coleção. Veja o making off da campanha aqui.
– Internet das coisas e conectividade – A empresa está ligada nas novas tecnologias. Isso se traduz em iniciativas como hackathons (mutirões unindo nerds e fashionistas para usar tecnologia na moda) nas lojas físicas. Outra iniciativa é a operação logística, que permite que o usuário compre na internet e retire na loja (clique & retire) e também a troca fácil, nas lojas, de produtos comprados pela web. Mais uma novidade é a instalação de wi-fi gratuito nos pontos de venda e a instalação de um botão nos provadores. Esse botão, inspirado no “dash button” da Amazon, tem uma linha direta com vendedores e permite que o cliente possa pedir outras opções de cores, tamanhos e modelos sem precisar sair da cabine. “Estamos nos esforçando para melhorar a experiência do cliente” justifica o CEO da empresa.
Ao final da palestra, Paulo Correa respondeu algumas perguntas do público. Eu aproveitei e perguntei sobre o desafio de capacitar os funcionários para essa nova mentalidade – e ele admitiu que esse tem sido um grande desafio, pois a indústria da moda sempre foi muito centrada no “eu” e a empresa tem investido em treinamento, sensibilização e comunicação interna para que todos entendam que o foco agora é o cliente. Outro participante deu o depoimento que, como cliente C&A, vem percebendo que as roupas estão cada vez com mais durabilidade (sem o conceito de “descartável”) e ao mesmo tempo mais acessíveis no preço – e perguntou se a empresa vem abrindo mão da lucratividade por conta disso. Correa afirmou que esse é o resultado de uma série de esforços: negociação com fornecedores, melhor aproveitamento de matéria-prima, investimento em pesquisa e desenvolvimento. E concluiu dizendo que “resultados financeiros são consequência da relevância da empresa para a sociedade, é daí que vem a prosperidade”. Palmas para ele, que mostrou coragem e determinação para o que chamou de “varejo com propósito” – é de empresas assim que o Brasil precisa. Correa informou, ainda, que, Mesmo a C&A sendo uma marca global, a subsidiária tem a liberdade para “tropicalizar” suas estratégias – e é esse “fit” com o mercado local que vem garantindo a posição de liderança, que a empresa vem se empenhando em manter.
Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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