Marcelo Pimenta

Qual Brasil pode dar certo?

Enquanto em São Paulo a polícia bate nos estudantes, no Acre Desafio de Ideias revela o potencial da pesquisa aplicada dos Institutos Federais na criação de negócios inovadores

Durante toda a semana passada estive no Acre. Acompanhei à distância, pela imprensa e pelas redes, a violência, a truculência e o despreparo do governo do Estado de São Paulo para tentar impor seu plano de fechar escolas. Na era da informação e do conhecimento, a educação é o maior ativo de qualquer governante que quer vencer na economia criativa. Se não bastasse a decisão da redução de vagas, pior foi o comportamento ao “dialogar” com jovens na base do cassetete, do gás lacrimogêneo e da polícia de choque.

Enquanto isso, em Rio Branco, a situação era outra, completamente diferente. Cerca de dois mil congressistas, a maioria deles estudantes e professores de cursos técnicos e superiores da rede de institutos federais, cruzaram o País para comprovar que o Acre realmente existe e que acreditam num Brasil que pode dar certo. A rede de Institutos Federais é composta por 562 em  todo o Brasil e atende cerca de  743 mil alunos.

A maioria das unidades fica no interior, pois os IFs têm a vocação de incentivar o desenvolvimento local através da capacitação e da pesquisa aplicada.  De 30/11 a 03/12 aconteceu a décima edição do Connepi – Congresso Norte e Nordeste de Pesquisa e Inovação – com atividades simultâneas: Palestras (nomes como Lula, Marina Silva, Boris Petrovic e Carlos Seabra estiveram no palco), Mini-Cursos, Mostra Tecnológica, Desafio de Ideias, Apresentações Científicas (Pôster e Oral) e Seminários de Iniciação Científica e Pós-graduação movimentaram o cenário da pesquisa e inovação. Minha participação principal foi no Desafio de Ideias, concurso anual para identificar, capacitar e reconhecer as equipes com projetos de pesquisa aplicada que buscam transformar em negócios.

O primeiro lugar do Desafio de Ideias 2015 ficou com a equipe do campus de Cáceres, Mato Grosso, liderada pelo professor Alexandre dos Santos. Com o projeto Synbaits, eles desenvolveram uma isca alternativa para controle de cupins em áreas florestais do cultivo do eucalipto (seja para produção de carvão vegetal ou para celulose). Em ambos os casos, o uso da tecnologia limpa reduz em até cem vezes o uso do pesticida pelos produtores – além de permitir que as empresas produtoras possam buscar certificações ambientais como o FSC e a ISO 14001.  A solução é o primeiro depósito de patente do Instituto Federal do Mato Grosso.  ”O que existe hoje no mercado para detecção da atividade de cupins são dispositivos eletrônicos com custo mínimo de 5 mil dólares, enquanto nosso invento, baseado em uma reação química colorimétrica com a mesma finalidade, tem custo de produção de R$ 4,50 a unidade”, explica o professor Alexandre. Para a equipe, foi uma experiência inesquecível. Estudante de Engenharia Florestal e integrante da equipe de Santos, Sarah Cavalari, diz que participar do projeto ajuda no crescimento profissional, ampliando o leque de conhecimentos, aumentando as oportunidades no futuro. “Nos vemos não só como estudantes, mas como empreendedores. Nada melhor que pegar sua ideia e desenvolver como empresa”, contou.

Alunos de Cáceres (Mato Grosso), liderados pelo professor Alexandre (à direita, de verde), foram os vencedores do 2º Desafio de Ideias da Rede de Institutos Federais
Alunos de Cáceres (Mato Grosso), liderados pelo professor Alexandre (à direita, de verde), foram os vencedores do 2º Desafio de Ideias da Rede de Institutos Federais

O Instituto Federal de Rondônia (IFRO) ficou em segundo lugar com o projeto Gerenciador e Identificador de Pragas (Gips), e em terceira posição a equipe do Instituto da Paraíba (IFPB), com o IntelliCar – Sistema Distribuído de Diagnóstico Automatizado de Veículos em Tempo real. O Desafio de Ideias, em sua primeira fase, teve 99 propostas inscritas. Dessas, 22 estiveram no Acre para um intensivo de prática de empreendedorismo com aplicação de conceitos da cultura startup no ambiente acadêmico. Onze equipes tiveram a oportunidade de apresentar seu pitch para uma banca de investidores, convidados e representantes do Sebrae, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e Universidade Federal do Acre. No Instagram publiquei duas foto-montagens, que sintetizam muito do contraste daquilo que vi e acompanhei pela Internet – e do que vivi no Acre, concomitantemente.

Esses registros são da quarta-feira, dia 2. Do lado esquerdo, o que acontecida no Acre, onde as equipes recebiam mentorias e ouviam de especialistas de todo o Brasil. Do lado direito, imagens que encontrei na rede social onde, em São Paulo, os policiais prenderam os estudantes que se manifestavam na Nove de Julho.Abaixo, os registros da quinta. Primeiro, em São Paulo, mais violência, enfrentamento e violência contra os estudantes (e coragem da menina). No Acre, após os pitches e anúncio dos vencedores, toda a comunidade acadêmica da rede de Institutos Federais, liderados pelo anfitrião IFAC – Instituto Federal do Acre, comemorava a conquista de levar para o Acre o que tem de mais modernos em ciência, tecnologia e empreendedorismo.

Os contrastes entre as duas visões desse mesmo Brasil é evidente. E antagônico. De um lado, um o Brasil que fecha escolas, não dialoga, não incentiva a educação básica, muito menos o empreendedorismo. A Anistia Internacional lançou nota condenando a violência, a falta de diálogo, o uso de bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, como relatou o Estadão na sexta-feira.

De outro, o Brasil que oferece aos jovens, além de educação, a prática de empreendedorismo. Dar condições para que essa juventude seja protagonista da própria vida, sabendo que tem conhecimento e condições para escrever a própria história seja desenvolvendo uma nova tecnologia, um produto inovador, seja transformando pesquisas em oportunidades de negócio. Conversei com três dos mentores, que vivem diferentes realidades em seus estados para saber se a opinião deles sobre a experiência.

“Ver a expressão de felicidade dos selecionados e o carinho de alguns com os mentores foi uma experiência incrível” disse Armindo Ferreira, referência no Vale do Paraíba (SP), diretor da Cruz e Ferreira e responsável pelo Blog do Armindo – que atuou como mentor de marketing e comunicação atendendo as equipes que participaram do Desafio. “Pude ver jovens focados em inovação tecnológica num evento que cria uma sinergia incrível com o futuro das regiões norte e nordeste. O estado de SP deveria seguir o exemplo e colocar toda força criativa dos jovens para trabalhar para resolver problemas de um futuro que nem conhecemos ainda”.

“Enquanto muito se fala em ’revolução‘ política para gerar uma ´salvação econômica´, encontramos a verdadeira mudança acontecendo de maneira quase que silenciosa para o grande público. O Desafio de Ideias do X Connepi levou estudantes de todo o Brasil para Rio Branco, no Acre, que foi testemunha da qualidade da produção científica que acontece nos Institutos Federais” avalia João Silva, mentor do desafio de ideias e consultor credenciado ao Sebrae Maranhão, líder de inovação doCreative Pack e presidente  do Startups Maranhão: “Confirmando que empreendedorismo vai muito além de abrir um negócio, pude acompanhar a vontade e gana de equipes que estavam pouco familiarizados com o mundo empresarial em transformar seus projetos científicos em soluções benéficas para a população. Muito mais importante que os troféus recebidos, embora tenham sido importantes, acredito que o aprendizado e esperança que cada pessoa levou dessa atividade foram os maiores ganhos, pois tanto alunos quanto professores entenderam que empreender é a melhor forma de se aprimorar continuamente, criar soluções que realmente melhorem as vidas das pessoas e ainda muito mais um país”.

“Investir nos jovens é a chave para que eles desenvolvam todo o seu potencial criativo e empreendedor tornando-se assim grandes profissionais que possam construir e contribuir para o desenvolvimento do país” é a opinião de Anderson Pontes, consultor credenciado ao Sebrae Acre e Master do Acre na RedeConsultólogo. “Durante o desafio de ideias, realizado no X CONNEPI em Rio Branco – AC, pude observar o potencial empreendedor dos jovens envolvidos no evento, e os considero Agentes Multiplicadores de Pesquisa e Inovação do Brasil”. E você, de qual Brasil quer fazer parte?

 

Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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