Marcelo Pimenta

Startup brasileira desenvolve tecnologia de armazenamento de células-tronco da polpa do dente de leite

Um problema identificado na prática do ofício de dentista numa clínica odontológica foi o ponto de partida para o doutor em biomateriais e periodontista José Ricardo Muniz Ferreira dar início às pesquisas que o levaram a criação da R-Crio. “Queria encontrar uma forma de reabilitar os meus pacientes com perda óssea”, conta ele, e explica que nem todas as pessoas têm uma boa quantidade óssea para fazer um implante. E nem sempre é possível solucionar a perda óssea para fazer esse procedimento, principalmente em pacientes mais idosos. A inovação está no uso das células-tronco para praticar a chamada medicina regenerativa — estimular a criação de tecido novo para compensar a perda óssea. “Foi por este motivo que resolvi mergulhar nos estudos sobre o tema, para entender melhor o potencial das células-tronco da polpa do dente de leite”.

A explicação do uso dos dentes de leite como matriz para a regeneração dos tecidos é técnica, mas fica entendível nas palavras do Dr. José Ricardo: “diferente das células-tronco do cordão umbilical, chamadas de hematopoiéticas e que só podem dar origem a células sanguíneas, as células-tronco da polpa do dente de leite, chamadas de mesenquimais, possuem capacidade de formar diversos tecidos humanos como músculo, cartilagem, ossos, entre outros.” Além disso, o dente de leite é um órgão que será naturalmente perdido e que possui menor risco de rejeição, quando comparado às outras fontes. Você pode também entender o potencial regenerativo das células contidas nos dentes de leite assistindo este vídeo.

As células-tronco começaram a virar negócio em 2014, quando José Ricardo encontrou dois investidores-anjo, também do mundo acadêmico, os ex-professores aposentados da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Alexandre Serafim e Brunella Bumachar, que são sócios do grupo educacional capixaba Multivix, hoje com cerca de 25 mil alunos. Foi assim que surgiu o R-Crio, um centro de tecnologia celular fundado no fim de 2013 para armazenar, expandir e criopreservar células-tronco da polpa do dente de leite. O investimento de R$ 20 milhões foi aplicado em equipamentos e infraestrutura e, hoje, mantém a empresa que está de olho num dos segmentos de mercado que mais crescem em todo o mundo: a medicina regenerativa por meio de pesquisas com células-tronco. No Brasil, a taxa de crescimento nesse segmento vem sendo de 25% ao ano.

Hoje mais de mil dentistas em todo o Brasil são credenciados R-Crio e estão capacitados para fazer a extração correta dos dentes de leite para que as células sejam extraídas e devidamente armazenadas. “A própria Anvisa e o Conselho Federal de Odontologia preveem uma série de regras e procedimentos que precisam ser seguidos”, explica José Ricardo, que revela também os custos do procedimento. “O serviço de criopreservação das células-tronco da polpa do dente de leite oferecido pela R-Crio custa R$ 2.980,00 — investimento que já inclui a extração do dente no dentista, o transporte do material até o laboratório, os testes para constatar a qualidade e usabilidade do material, assim como o seu armazenamento em nitrogênio. A partir do segundo ano é cobrada uma anuidade de R$ 735,00 para manter as células-tronco congeladas em nosso laboratório”.

Como forma de atender o público final foi inaugurado, no início de abril, em São Paulo, a DentalCell, primeiro espaço licenciado nacional da marca. Este centro de atendimento teve R$ 300 mil reais de investimento e é dirigido e mantido pela cirurgiã-dentista Daniela Bueno, Ph.D em genética humana e a primeira pessoa no mundo a formar osso a partir das células-tronco da polpa do dente de leite, para fechar a fenda palatina em crianças com lábio leporino.

Na clínica, os pacientes contam com serviços exclusivos, como tratamentos odontológicos personalizados, acompanhamentos com fonoaudiólogos e psicólogos e assessoramento genético para famílias de pacientes autistas. Por ser licenciada ao laboratório, a clínica oferece ainda os serviços de criopreservação das células-tronco da polpa dos dentes de leite e análise genômica (popularmente conhecida como mapeamento genético).

José Ricardo nos laboratórios: meta de obter 76 mil amostras nos próximos seis anos

A tecnologia brasileira também tem reconhecimento internacional. José Ricardo Muniz Ferreira e o geneticista Roberto Fanganiello, consultor científico da R-Crio, ministraram em abril desse ano um workshop sobre armazenamento de células-tronco mesenquimais e inovação no Space Life Science Laboratory, da Nasa.

José Ricardo conta que está 110% dedicado à R-Crio, pois entende que está entregando para a sociedade a possibilidade de usar a ciência como forma de proporcionar qualidade de vida. De olho num mercado de 7,6 milhões de crianças entre 6 e 12 anos ele pretende atingir 1% dessa população, ou 76 mil amostras, nos próximos seis anos. “Hoje, o banco de células-tronco da companhia possui a capacidade de armazenar 220 mil amostras, número suficiente para atender o Brasil e a América Latina” planeja ele, que vem se esforçando para superar os desafios de sair a vida de cientista para aprender a ser empreendedor: “fazer a transição da pesquisa para o mercado me levou a uma jornada de grandes desafios, descobertas, acertos, erros, e acima de tudo, aprendizado. Passei a dar mais atenção a áreas complementares de modo a abrir minha mente, meus olhos e meu coração para construção de um projeto com boa viabilidade financeira”.

 

 

 

Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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