Marcelo Pimenta

Criatividade, o tempero que faz a diferença na inteligência artificial

Embora seja um assunto atual, o conceito de Inteligência Artificial (IA) não é novo. Em 1956, o professor universitário John McCarthy definiu a IA como a ciência e engenharia de produzir máquinas inteligentes, ou seja, capazes de resolver problemas que antes só poderiam ser resolvidos por humanos.

A Inteligência Artificial tem mudado – e continuará mudando – o mundo nos próximos anos, apoiada nos seguintes pilares:

  • O aumento da velocidade do processamento dos computadores, possibilitada, inicialmente, pela utilização de circuitos integrados nos computadores, ou microchips, que substituíram os transistores a partir de 1964;
  • A miniaturização de tudo. Enquanto o ENIAC (“primeiro computador” do mundo, de 1946) ocupava uma área de 180 m² e pesava 30 toneladas, hoje há smartphones com tela de 2,4 polegadas, pesando menos de 80 gramas – que são infinitamente superiores ao ENIAC;
  • A possibilidade de ampliação de abrangência de análise de dados. Graças ao armazenamento na nuvem, atualmente é possível, e relativamente barato, guardar grandes quantidades de dados na internet. E essa possibilidade nem é mais restrita a empresas, pois existem serviços como Google Drive e Dropbox, com ampla utilização e popularização;
  • A evolução das capacidades analíticas para o reconhecimento de padrões. O Facebook, por exemplo, utiliza essa capacidade para o reconhecimento facial que sugere a marcação de amigos em fotos. A Gol usa essa tecnologia para fazer check-in;
  • A previsibilidade a partir de variáveis, através do que é chamado de machine learning. Quanto mais conversamos com um chatbot, mais ele aprende que, usando determinada palavra, as pessoas compram um produto. Quanto mais um caminho é percorrido, mais o Waze aprende que esse é o seu preferido. Hoje, é possível prever bem mais do que se imagina, incluindo a intenção de compra e o retorno de campanhas publicitárias.

Assim, temos um mundo de possibilidades em nossas mãos. A questão principal é saber o que fazer com essa tecnologia, como usá-la para gerar impacto na vida das pessoas. Nesse sentido, talvez o exemplo mais conhecido, e pioneiro, seja o da Amazon. A companhia tem usado o reconhecimento de padrões para direcionar a oferta de livros, músicas, filmes, etc., mostrando determinado produto para quem tem maior probabilidade de comprá-lo. A Netflix também adotou esse pilar da Inteligência Artificial, ao sugerir determinada série ou filme com base no perfil do cliente.

Outros exemplos interessantes de AI estão no site da Netexplo, observatório independente que estuda o impacto da tecnologia digital na sociedade e no mercado mundial – e do qual tenho o orgulho de participar do conselho acadêmico, desde 2014. Nele, encontramos um computador treinado para passar no vestibular (https://www.netexplo.org/en/intelligence/innovation/todai-robot-project), lançado em 2011 pelo Instituto Nacional de Informática do Japão, com o objetivo de apontar as habilidades que devem ser desenvolvidas pelos seres humanos para agregar valor ao mercado de trabalho. Chamado de Todai Robot Project, a máquina adquiriu novas habilidades e, em 2016, alcançou rendimento de 53,8% em cinco disciplinas de vestibulares, enquanto a média nacional japonesa é de 43,8%. Com esse resultado, o computador seria aprovado em 63% das universidades no país.

Ainda no site do Netexplo, há informações sobre The Next Rembrandt (https://www.netexplo.org/en/intelligence/innovation/the-next-rembrandt), um software criado por historiadores da Universidade de Delft, na Holanda, junto a publicitários. A partir da observação de obras de arte, ele é capaz não apenas de restaurá-las ou reproduzí-las, como também criar novas obras com características semelhantes àquelas estudadas, através de uma impressora 3D. O nome do software foi inspirado no pintor Rembrandt, cujas obras foram analisadas pelo programa. Após capturar detalhes dos quadros e estilo do pintor, o software reproduziu a textura, estilo da pincelada, camadas de tinta, brilho e cores características dos trabalhos de Rembrandt.

Iniciativas brasileiras utilizando a IA também têm gerado resultados interessantes. Em São Paulo, o serviço governamental Poupatempo utiliza, desde o começo de 2017, o chatbot Poupinha, desenvolvido pela startup Nama (https://startupi.com.br/2017/04/startup-revoluciona-atendimento-virtual-de-servico-estadual-e-anuncia-nova-versao-do-chatbot). Em abril, o atendente virtual já falava com uma média de 5600 usuários por dia, e havia concluído mais de 218 mil agendamentos. De acordo com Rodrigo Scotti, CEO da startup, 41% dos brasileiros prefere se relacionar com as empresas por chatbot, em vez de e-mail ou telefone. Provando essa tendência, o Poupinha havia recebido, até abril, mais de 50 mil mensagens de agradecimento – o que significa que 23% dos usuários que realizaram agendamentos com o robô terminaram a conversa tão satisfeitos que até agradeceram. Na versão 2.0 do Poupinha, lançada em abril, o robô teve a capacidade de atendimento aumentada, sendo capaz de esclarecer questões frequentes sobre a Carteira de Identidade, serviço mais procurado no Poupatempo.

No setor privado, a empresa Konduto (https://www.konduto.com/) criou, em 2014, uma solução antifraude de pagamentos que se baseia no comportamento dos clientes durante sua navegação na web. Ainda no campo da antifraude, a ClearSale (http://br.clear.sale/blog/post/machine-learning), que presta serviços para grandes empresas brasileiras e multinacionais, também tem apostado no machine learning para melhorar seus processos, ajustando automaticamente os modelos estatísticos, de acordo com a necessidade e risco de cada cliente. Dessa forma, a ClearSale consegue atualizar níveis de risco de fraude quase que em tempo real, a partir do cruzamento de dados e de comportamentos do comprador na web.

Observe que, atualmente, a tecnologia não parece ser mais um desafio, no que tange à inteligência Artificial. Ela tem se tornado cada vez mais abrangente, poderosa, acessível. A diferença, cada vez mais, será no que se faz com essa tecnologia. Na criatividade de ver possibilidades. Aí é que mora o principal diferencial para gerar a real inovação – que traz valor percebido pelo cliente e resultado para o negócio. É esse tempero da imaginação, único do ser humano, que é cada vez mais valioso para identificar novos usos para a IA atender aos desejos e necessidades do consumidor.

 

Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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