Nas próximas semanas tenho compromissos que abrem espaço para uma reflexão sobre um assunto que gosto muito: a inovação nos negócios ligados ao jornalismo. Sinto-me à vontade para analisar o cenário visto que, além de empreendedor e professor de inovação, minha primeira formação é de jornalista. Reconheço que os negócios nesse segmento enfrentam revoluções, que exigem constante reflexão e revisão de conceitos e práticas.
Historicamente, a origem do jornalismo está na reportagem – e a partir da metade do século passado – os veículos de comunicação se tornaram os principais celeiros para que os jornalistas brilhassem para audiências cada vez maiores, primeiro através dos jornais – e mais tarde pelo rádio e TV. Destaque para a criação de revistas que, no mundo todo, foram sinônimos de bom jornalismo. Nessa época, o bom jornalista era valorizado pelos veículos e disputado pelos editores.
Com a chegada da Internet, esse cenário começou a se alterar. A exclusividade de transmitir e publicar notícias deixou de ser apenas dos veículos de comunicação. A partir de 1995, qualquer pessoa poderia ter um blog gratuito no Geocites. O Orkut revolucionou a forma das pessoas se comunicarem, suas comunidades faziam com que os links das notícias passassem a ser compartilhados, tornando-se cada vez mais desnecessário pagar para ter uma notícia que estaria disponível na rede. Em 1999, o Geocities foi comprado pelo Yahoo por US$ 4 bilhões. O ano 2000 foi marcado pela então maior transação comercial da história: a gigante Time Warner compra a jovem America OnLine (AOL) por US$ 124 bilhões de dólares. Lembro, naquela época, a profecia dos analistas: Wall Street se rende à internet, não há mais dúvidas, no futuro os veículos de comunicação serão 100% digitais.
De lá para cá, o que se observa é que esse segmento vem passando por um complexo terremoto, onde as placas tectônicas continuam se ajustando. O que se observa são uns territórios se desmoronando e outros surgindo. Alguns fatos justificam minha análise:
– o mundo das notícias passou a não ser mais terreno exclusivo de empresas jornalísticas, novos atores de peso passam a atuar também nesse mercado (Sony, Bloomberg, Reuters, Disney, Microsoft são apenas alguns exemplos) assim como milhares de blogueiros e youtubbers – que variam entre anônimos e celebridades;
– a empresa mais inovadora do ano segundo a revista FastCompany é o site BuzzFeed, especializado em notícias “para serem compartilhadas”. O site não se preocupa em apurar fatos. Prefere assuntos menos sérios e mais divertidos, publica listas, cria “memes” e revela curiosidades do tipo: “as 22 coisas sobre maquilagem do Happy Potter que você não sabia”;
– Jeff Bezzos, dono da Amazon, comprou em 2013 o Washington Post para experimentar novos formatos de jornalismo. Espalhou desenvolvedores por todas as áreas da empresa, principalmente na redação e na área comercial. A última informação que obtive dava conta que a empresa tinha 220 engenheiros. “A era digital significa também que temos de nos tornar uma empresa de tecnologia“, declarou recentemente o diretor editorial, Martin Baron;
– o Washington Post desde o ano passado tem um acordo para distribuição de notícias em formato específico para o Facebook; foi considerada a melhor empresa de atendimento ao anunciante nos Estados Unidos em 2015; vem conseguindo avanços usando jornalismo de dados e inteligência artificial entregando conteúdo personalizado para seus leitores; está, no domingo 12 de junho de 2016, em 48º entre os sites mais visitados nos EUA (202º no mundo) a frente de concorrentes como o USA Today e Wall Street Journal (mas atrás do rival New York Times, site número 32 nos EUA e 122 no mundo)
– o Wall Street Journal é também um case de veículo que está apostando na reinvenção. Através de um inovador sistema de newsletters consegue manter 800 mil assinantes no seu serviço NYT Now, que avisa flashs instantâneos de acordo de seus interesses;
– são vários os experimentos sobre robôs que produzem conteúdo. Redigem posts, criam tweets e atendem em tempo real plataformas de chat. O caso do Watson, projeto gigante de inteligência artificial da IBM é emblemático: o computador pode aprender e responder questões e produzir textos a partir do que estudou. No Japão, o projeto Todai, que visa melhorar o desempenho da inteligência artificial, já consegue que um robô seja aprovado no vestibular em 63% das universidades japonesas;
– a revolução digital mudou também o consumidor. O cliente passa ter cada vez mais poder. Ele passa a ser protagonista. Publica fotos, vídeos. E comenta, avalia, compartilha, denuncia, elogia. Em muitos casos, o leitor passa a desempenhar o papel de repórter, de cinegrafista, de fotógrafo. Transformar-se num produtor de conteúdo (aqueles que investem nisso profissionalmente são chamados de creators) não exige diploma;
– o consumidor também está ligado nas redes sociais como fonte de informação (independente se a notícia é verdadeira ou não); um estudo da Universidade de Columbia mostra que notícias falsas se propagam três vezes mais que as notícias para corrigi-las;
– no mercado de trabalho, principalmente no Brasil, as redações dos grandes veículos passaram a ser um dos piores lugares para o trabalho dos jornalistas. Grande oferta de mão-de-obra, baixos salários, interferência política em todas as editorias (do esporte à política) fizeram com que o trabalho do jornalista inspirasse piada, como mostra esse episódio do humorístico Porta dos Fundos. Claro que existem muitos jornalistas competentes ainda trabalhando nas redações, mas a maioria dos que eu conheço está buscando alternativas;
– um dos primeiros mercados para atuação do jornalista que não queria trabalhar em redação foi a assessoria de imprensa. Essa atividade cresceu, se profissionalizou e se ampliou. Hoje muitos jornalistas criaram ou trabalham em assessorias de comunicação, que não se preocupam apenas com a imprensa, mas com um ou mais de outros aspectos necessários à atividade empresarial como branding, publicidade, marketing, promoção, planejamento, …
– com o crescimento da demanda no mundo digital, jornalistas se tornaram um dos profissionais mais preparados para a criação de agências web, empresas de marketing digital, email-marketing, criação e manutenção de sites e presença digital nas mídias sociais;
– com o crescimento do inbound marketing (estratégia de atração do cliente por conta de conteúdo interessante sobre seu produto ou serviço), há um crescimento da demanda por jornalistas que possam fazer branded content;
– e muitos jornalistas decidiram criar seus próprios canais. A audiência que a internet propicia permite que os conteúdos sejam permanentemente avaliados por milhões de pessoas. E isso viabiliza que projetos inovadores, criados a partir de oportunidades e contrariando muitos manuais de empreendedorismo, dêem muito certo. São profissionais de comunicação que não se restringem ao rótulo de serem jornalistas, mas criam empreendimentos que publicam conteúdo com alma. Poderia citar vários exemplos mas vou me limitar a quatro bem diferentes um dos outros: o Hypeness (um site de dicas que tem sua história contada de forma muito bacana nesse vídeo), o Manual do Mundo (blog e canal de vídeo com experiências, curiosidades misturando ciência e diversão), o Projeto Draft (que vem sendo o diário da nova economia criativa brasileira) e o Mídia Ninja (projeto de jornalismo descentralizado e engajado). Em comum reúnem o fato de não se rotularem como veículo, que precise de redação completa e grande equipe, mas sim plataformas orquestradas por uma ou mais pessoas, com custos limitados e grande notoriedade no seu meio, que buscam diversificar receitas (de diferentes maneiras: publicidade, patrocínio, cursos, palestras e “projetos especiais”);
– vale citar também iniciativas que pretendem ser grandes, mesmo concorrendo com a “grande imprensa”, defendendo o patrocínio direto dos seus leitores do que ter de aceitar a parcialidade comercial da publicidade. Dentre essas iniciativas vale citar o brasileiro Nexo Jornal (que busca se sustentar através da venda de assinaturas), o Espanhol El Proyecto (que foi financiado por crowdfunding) e o Huffington Post (que nasceu como um agregador de blogs e hoje tem versões funcionando em vários países, inclusive no Brasil);
Enquanto as rochas tectônicas se movem, o profissional jornalista precisa sobreviver. Muitos acabam largando a carreira e aproveitando o conhecimento e o diploma para se aventurarem no serviço público ou em outras atividades (todo mundo conhece um jornalista que virou cozinheiro, vendedor, professor, varejista…). Mas para quem quer continuar no ramo, me parece que o jornalista que se posicionar como um e produtor de conteúdo poderá ter melhores perspectivas. Principalmente se for inovador e identificar uma oportunidade que possa não só atender suas concepções de vida profissional – mas que auxilie também atender seus sonhos pessoais (a história do Hypeness mostra isso). O número de modelos de negócios que podem funcionar é infinito. Mas lembre-se que para fazer um negócio dar certo não basta ser um bom jornalista, é preciso dedicar-se a desenvolver características de um empreendedor de sucesso, como liderança, empatia, capacidade de adaptação, resiliência… Por outro lado, talvez seja preciso abrir mão do sonho de dedicar-se ao “bom e velho” jornalismo, investigativo, com base na reportagem e no detalhamento dos fatos na esperança de que seja publicado ou transmitido pelos grandes veículos da mídia – pois aqui as perspectivas são menos animadoras.
PS – Estarei expandindo e debatendo essas ideias na 13ª Semana de Comunicação da Unifra em Santa Maria-RS (14-06 às 20h) e na oficina de “Design de Negócios Inovadores para Jornalistas” na Revista Imprensa (29-06 às 18h).
Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
Conheça as palestras e cursos que ele oferece e saiba como ele pode te ajudar a inovar.