A primeira vez que fui a Florença faz uns 10 anos. Fui como ‘turista de 1ª viagem’, sem saber muito o que encontrar. Encantei-me com a cidade e comecei a pesquisar mais sobre sua arquitetura, sobre a história de seus moradores ilustres – buscando entender sua contribuição para a humanidade.
Talvez seja importante contextualizar que o apogeu de Florença como cidade mais importante do mundo ocidental (título que já tinha sido de Atenas, Roma, Istambul …) acontece entre 1400 e 1500, logo após a peste negra, como ficou conhecido o surto de peste bubônica que invadiu a Europa, através dos ratos que vieram infectados do Oriente, e acabou dizimando mais da metade dos seus habitantes.
A grande diferença dessa, em comparação com as demais doenças, foi o fato dela não distinguir ricos e pobres, assim como pela rapidez com que infectava e matava os doentes (vem daí a frase que diz que os atingidos “almoçavam com seus amigos e jantavam com seus ancestrais no paraíso”). Para além das causas científicas, a igreja aproveitou a peste para dar ainda mais força à inquisição e justificar que a doença era, de fato, um castigo.Nesse período, acontecia uma enorme transformação nas artes, nas ciências, na arquitetura, na política e nos negócios, que agitava a capital da Toscana e viria a repercutir para sempre, com o surgimento do humanismo, filosofia que trouxe o homem para o centro do conhecimento.
Atravessar a Ponte Vecchio e cruzar o Rio Arno – um ato de coragem daqueles que tiveram a garra de empreender o Renascimento das artes, da ciência e do pensamento ocidental
Quem ajuda a entender os motivos de tanta efervescência no pensamento ocidental na Florença desse período – e sua contribuição para a inovação nos negócios – é o americano Frans Johansson, no livro “O Efeito Medici: Como realizar descobertas revolucionárias na intersecção de ideias, conceitos e culturas”. O Autor destaca a importância dos Medici como financiadores e patrocinadores dessas inovações (esse livro faz parte da lista que elaborei dos dez livros mais importantes para entender o novo contexto dos negócios). Ele evidencia como o poder da combinação entre diferentes formas de ver o mundo propiciou uma das mais importantes explosões de arte, cultura e ciência na história da humanidade – o Renascimento. Johansson mostra que combinar elementos é uma das melhores maneiras de gerar ideias notáveis, surpreendentes e revolucionárias.
Detalhe do teto do Salão dos Quinhentos, no Palazzo Vecchio
Programei uma nova visita à cidade, dessa vez para rever, conferir de perto, “com olhar empreendedor”, alguns marcos da nossa sociedade “contemporânea”. Dentre eles o Palazzo Vecchio, que recebeu grande parte das obras mais importantes do período, incluindo aí o Salão dos 500, onde Giorgio Vasari coordenou o trabalho de vários artistas para criar um dos ambientes mais incríveis do mundo, formado por 42 painéis ricamente ilustrados de forma “inovadora” – dando as pistas do estilo que mais tarde ficou conhecido como Renascentista. O salão volta a ser de extrema importância por volta do ano de 1865, quando as diferentes cidades italianas decidem realizar nele a assembleia que unifica o país e cria o Reino da Itália (tendo Florença como sua capital) e mais recentemente é palco do thriller de ficção “Inferno”, best-seller do americano Dan Brown. Outro local que visitei foi a Galleria dell’Academia, que abriga a escultura mais famosa do mundo: Davi, de Michelangelo. Mostra também suas obras inacabadas – que são um espetáculo à parte pois, por ficarem incompletas (Michelangelo desistiu do serviço que tinha sido contratado pelo Papa Júlio II), servem como comprovação da genialidade deste artista florentino que consegue dar “vida” a blocos de pedra (como é possível conferir na foto abaixo).
Um dos blocos de concreto com escultura inacabada de Michelangelo, onde os corpos parecem “saltar” do mármore. O Renascimento tem um legado que é único na história da humanidade
Para finalizar, quero destacar uma das construções desse período, símbolo do empreendedorismo da cidade nesse período: o Duomo – a cúpula da catedral Santa Maria del Fiore. A construção da igreja vinha recebendo diferentes obras de expansão e o salão principal precisava de um teto que demonstrasse toda a vanguarda de Florença na engenharia. O encarregado da tarefa, Filippo Brunelleschi, venceu uma espécie de concurso propondo uma grande inovação – construir a estrutura sem as tradicionais vigas de apoio. Não havia tecnologia disponível, por isso Brunelleschi dedicou mais de 30 anos entre pesquisa e desenvolvimento de uma forma revolucionária de construir com uma técnica usada até hoje – conhecida como espinha de peixe – onde os tijolos são dispostos lado a lado, um na horizontal e outro na vertical, fazendo com que a tensão causada pelo peso da estrutura seja responsável pela sua sustentação. Brunelleschi venceu inúmeros outros desafios como a construção de guindastes – tanto horizontais quanto verticais – que permitiram não só que o material pudesse chegar no alto da igreja, como as pesadas vigas pudessem ser precisamente posicionadas na primeira cúpula octogonal da história. Ele também é reconhecido por ter colocado em prática o conceito de “ponto de fuga” uma grande contribuição à arquitetura – permitindo que se projetasse em perspectiva o que se iria construir, algo até então inédito.
O Duomo da catedral de Florença revolucionou a engenharia com técnicas de construção que são usadas até hoje
Soma-se a ambição e o desejo de superar o fantasma da peste com a visão estratégica dos detentores do capital e a tolerância ao “erro” e a pesquisa. Mais a competência de Leonardo da Vinci, Michelangelo, Dante Aleghieri, Burlleneschi, que tiveram, além de talento, MUITO ESFORÇO E DEDICAÇÃO. Ouviram muitos nãos. Tiveram que construir novos argumentos, melhorar suas propostas, dedicarem-se mais que os outros artistas do mesmo atelier. Na escola de artes de Florença cada mestre tinha cerca de 20 aprendizes. Quantos ficaram para a história? O Davi levou três anos para ser esculpido. A Capela Sistina (que fica no Vaticano) outros três anos. A Monalisa levou quatro anos do seu início até sua exposição pública.Como nos inspirar em Florença e provocarmos também um Novo Renascimento? Como sair das trevas da intolerância? Perceber que a crise é resultado de transformações que são incontroláveis. A economia colaborativa coloca em cheque os modelos tradicionais. Os bancos estão assustados tentando entender a revolução Fintech, um mercado em ebulição, incluindo o Brasil, onde em 22-02-2016 a Moip, empresa brasileira de meios de pagamento digitais, é comprada pela alemã Wirecard (maior emissora de cartões Mastercard a Europa). Em fevereiro, no dia do Forum NetExplo 2016, em Paris, estava sendo distribuído o jornal de economia Les Echos. A capa do dia 10 de fevereiro (foto abaixo) fala do retorno da crise financeira às bolsas. E anuncia que o valor dos bancos europeus perderam 27% de valor desde a virada do ano.
A robótica, os aplicativos, o poder das redes, a realidade virtual, a inteligência artificial, a internet são as novas tintas, pigmentos, mármores, engrenagens, cordas, roldanas, enfim, instrumentos e matéria-prima que a sociedade Florentina usou para Renascer. A crise do capitalismo e dos valores são a nova peste. Precisamos usar nossa criatividade, nos permitir um novo olhar sobre o que existe, combinar diferentes conhecimentos existentes, criar novas tecnologias, soluções – esse é o caminho favorável à inovação. E as ruas de Florença apinhadas de turistas comprovam que essa receita pode gerar resultados que duram por séculos. Aqueles que tiveram a coragem de atravessar o rio Arno e empreender o espírito revolucionário do Renascimento deixaram sua marca na história. Podemos “aproveitar” a crise e fazer o mesmo: combinar ideias, experimentar o novo, contribuindo para o renascimento da prosperidade dos negócios.
*Texto publicado também no Blog do Empreendedor, do Estadão.
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Por Marcelo Pimenta. Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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