Como o processo criativo de um artista pode inspirar um empreendedor? O quão empreendedor precisa ser um artista? Foi com base nessas perguntas que decidi procurar respostas com uma das mais importantes artistas plásticas brasileiras. Sônia Menna Barreto (SMB), 62 anos, desde 1984 vem empreendendo nesse mercado difícil – onde muitos e muitos tentam – mas poucos conseguem realmente viver de arte. Com reconhecimento internacional (desde outubro de 2002, uma obra da brasileira passou a integrar a ROYAL COLLECTION, pertencente à Família Real Britânica, uma das mais importantes coleções de arte do mundo) ela continua pesquisando, aprendendo e inovando sem parar. Tivemos a oportunidade de conversar e escolhi quatro conselhos que podem servir de inspiração para o empreendedor.
1. Aprimore sua técnica
Cada obra é feita com muito carinho desde a preparação da tela, passando pela preparação artesanal das tintas que vou utilizar. Gosto muito de fazer cenários para as minhas obras e de tirar foto destes cenários. Explico: eu demoro pelo menos dois meses para concluir uma obra. E o cenário, que é um tanto quanto precário, vai se desmontando com o tempo e por isso tiro as fotos.
Elas ficam lá, com a posição correta, luz e sombra para sempre! Além do mais, como foco muito na realidade (para a brincadeira do Trompe L’oeil isso é vital) versus imaginário/irreal descobri que o olhar mecânico, da máquina, induz quem vê a acreditar mais. A inspiração é o lado mais fácil da história, sendo que um artista visual é impactado por imagens milhões de vezes ao dia! Sempre vou ver algo que vai me impactar.
Aí, até chegar ao produto final, que combina perfeitamente com o conceito e imagem que a sua mente elaborou…é difícil e leva tempo: transpiração pura!A prática leva ao contínuo aprimoramento, a saber o que funciona melhor. E da observação, do dia-a-dia com outros artistas acabo conhecendo novos materiais, novas técnicas. Por exemplo, recentemente vi numa feira de Miami, umas esculturas em bronze pintadas à óleo; precisei investigar e buscar com meus parceiros como desenvolver essa possibilidade.
Foi muita pesquisa e teste até descobrir uma forma de preparar a peça, o tipo de primer que aceitaria a tinta à óleo e o tipo de verniz para o acabamento final. Então agora poderei ter uma nova coleção de esculturas em bronze que poderão ser pintadas à óleo – e envernizadas.
2. Pesquise, pesquise, pesquise
As ideias chegam de forma aleatória, no olhar, quando capto alguma coisa que me intriga e instiga e também quando já tenho um projeto específico em mente e vou atrás pesquisar.
Tenho um board onde coloco ideias rápidas, para não esquecer. São anotações, referências, embalagens, tudo que pode me inspirar ou gerar insights quando estou criando.
Eles servem de base para minhas pesquisas, que são parte integrante do meu trabalho. A pesquisa me dá subsídios para criar as imagens complementares. Um exemplo bacana é a minha série “Rainhas“ e mais especificamente a Catarina de Bragança. Ela tem uma história riquíssima: casou-se com um rei inglês e levou para lá o hábito do chá das cinco, introduziu na corte inglesa o costume de servir a comida em pratos de porcelana porque os que eram usados lá (ouro e estanho) esfriavam a comida rapidamente e inventou o garfo! Era uma mulher diferenciada! Na minha obra, fiz uma gola em cartolina e fui colando saquinhos de chá (levou um mês e meio para tomar tudo!) formando uma renda mega fashion! Aliás é bem provável que se transforme em uma roupa.
O processo de criar “Catarina de Bragança” iniciou com a produção de uma peruca …
… passando pela produção de um “protótipo” feito com mais de 150 saquinhos de chás…
… até chegar na obra original…
… que hoje ilustra almofadas e outros objetos.
3. Crie sua marca
As pessoas têm a tendência preconceituosa em definir um artista como um ser desconectado das coisas mundanas, que só pensa em criar! A primeira parte é verdadeira, mas se ele também não usa o seu outro lado do cérebro, seu lado pragmático, tem toda a possibilidade do mundo de “quebrar a cara”.Hoje a arte aplicada ocupa um lugar importante na minha carreira. Ela é democrática, divulgadora e rentável! Só tenho tido bons resultados!Mas tomei o negócio para mim. Criei com um parceiro, um selo para as porcelanas (pratos) e esculturas em cerâmica, que são obras com edições numeradas e assinadas, que tem trazido um resultado fantástico, mesmo numa época complicada economicamente como essa que passamos aqui no Brasil. As peças seriadas são bem viáveis economicamente e proporcionam ao artista se “multiplicar” e estar em várias galerias/feiras de arte.
4. Analise o mercado e aprenda sem parar
Não basta ser artista. Tem que ser vendedor, tem que entender psicologia, economia e saber para que lado o mercado está indo (sim, porque arte tem tendências).Estou trabalhando em um novo formato de exposição para novembro, uma exposição grande para o primeiro semestre do ano que vem e novas esculturas, tanto em bronze, como em cerâmica. Aliás, estou me empenhando em desenvolver e conhecer melhor este mundo da pintura em cerâmica. Agora estou fazendo mais um curso; o artista tem que se reciclar, se reinventar sempre! É a lei da vida, do mercado!
Uma obra entendida por dentro
A obra original inspirada nos livros do avô, em Degas, …
… e o flagrante de uma das muitas referências contidas na pintura. Ao apontar o lápis, a artista viu as saias das bailarinas.
“O Ensaio” faz parte da minha série de livros objeto, pela qual tenho verdadeira paixão! Tudo começou com alguns livros antigos que meu pai me deu e pertenciam ao meu avô. A ideia de ter nas mãos algo que tinha uma história contada dentro dele (são livros do começo do século passado) assim como a história da minha família, me encantou, além do aspecto plástico das páginas amareladas e das capas marmorizadas corroídas pelas traças. Passagem do tempo pura! Me veio então o insight de fazer uma obra que levasse à tridimensionalidade.As estruturas feitas em madeira, MDF e recobertas com cambraia de linho, são esculturas em madeira e tem o formato exato do livro retratado (aberto, fechado, visto de lado, de cima) Esse, em particular, tem uma cena de uma obra de Degas e faz parte de uma série dentro dos livros objeto, onde eu faço uma releitura de obras de pintores fantásticos que sempre me encantaram. Acho que as sinapses na cabeça dos artistas plásticos acontecem de forma diferente das outras pessoas. Explico: ganhei uns lápis dourados por fora e negros por dentro. Quando apontei, vi verdadeiras sainhas negras com uma barra dourada. Lago dos Cisnes!!! Fiz a conexão: a obra de Degas que queria pintar, com o “marmorizado” que se transforma nas bailarinas.
Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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