Exatamente na semana onde as mídias sociais foram invadidas por comentários preconceituosos contra os nordestinos, estive em Recife de quarta à sábado. Vi muitos comentários que “justificavam” a vitória de Dilma nessas regiões às semelhanças entre os mapas de distribuição do bolsa família, no nível de escolaridade e do nível de renda. Como gaúcho que vive em São Paulo – e que passo bem mais de cem dias por ano viajando a trabalho por todo o Brasil – acho esse tipo de comparação maldosa, por isso queria compartilhar com vocês o que vivi essa semana que passou.
Junto com meus colegas de Laboratorium, fomos os responsáveis pela curadoria da Arena Digital, da Feira do Empreendedor de Pernambuco, no Recife. A Arena é um dos muitos espaços dessa feira. Nesse local aconteceram palestras, debates e apresentações sobre diversos temas que possam capacitar e inspirar os empreendedores da região a melhor entender e aproveitar as oportunidades advindas da revolução digital. Os conteúdos foram organizados em grandes temas: e-commerce, startups, games e mídias sociais. Nosso objetivo, desde o início dos trabalhos, foi ao mesmo tempo apresentar uma programação agradável e consistente e fortalecer o ecossistema regional de inovação.
Assim, desde quarta-feira, tivemos a abertura do espaço com um bate-papo com Aldo Pacheco e Marcelo Paiva, da Venda e Cia, uma consultoria em e-commerce de João Pessoa, na Paraíba. No mesmo dia, tivemos painel com lojistas virtuais que atuam noRecife, além de cases nacionais, como o caso da Eletrônica Santana, aqui de São Paulo – que é uma história inspiradora, de uma loja de bairro que tem 50 anos e se reinventou através do e-commerce – e hoje tem cinco unidades de negócios, vendem e atendem todo o Brasil (um dia vou contar com detalhes a vocês).
Na quinta-feira à noite teve início o Startup Weekend Recife, edição local do famoso evento que já aconteceu em mais de 600 cidades em todo o mundo e que já criou milhares de startups (centenas delas de sucesso). Mais que criar negócios lucrativos, o “Weekend” é uma metodologia onde os empreendedores passam por um intensivo de 54 horas para colocar pelo menos um protótipo funcional no ar. No próximo mês, acontece o Startup Weeekend Sertão, em Serra Talhada (Pernambuco).
No dia dedicado aos jogos, o primeiro painel contou com a presença do professor Rodrigo Motta, que junto com seus alunos, criou a Kaiapora Digital, de Campina Grande. Um de seus trabalhos é o jogo Xilo, uma pequena obra de arte, que usa a xilogravura do cordel para contar a história de Biliu, personagem que percorre os cenários no nordeste e encontra mitos do folclore brasileiro como o Saci e a mula sem cabeça. No mesmo dia, Jailson Souza, do estúdio Moovi, da Bahia, compartilhou a experiência de seu estúdio de game hoje incubado dentro do Parque Tecnológico de Salvador. E Rodolfo Sikora, de Fortaleza, contou como é fazer uma rede social dedicada a gamers a partir do Ceará.
No sábado o tema central foi as mídias sociais. Duas das palestras foram de Gabriel Leite, professor e empreendedor da Mentes Digitais, de Aracaju, Sergipe. E o encerramento da programação, ficou a cargo de Wesley Barbosa, coordenador do programa de incentivo às startups do Facebook Brasil . Wesley nasceu em família humilde na periferia de Maceió, Alagoas. Sua trajetória passa por ter trabalhado com games na China antes de voltar para o Brasil como responsável pelo mecanismo de busca Baidu (maior que Google na Ásia), antes de ocupar o cargo que hoje exerce no Facebook. Poderia contar outras muitas histórias como o das Células Empreendedoras, da Leme Digital ou ainda do Professor Cristiano Araújo, referência no estímulo do empreendedorismo de base tecnológica através do “Projetão. Mas ao todo, foram 37 convidados, de muitos estados brasileiros, mas principalmente do Nordeste.
No próximo mês, acontecem as Feiras do Empreendedor deNatal (Rio Grande do Norte) e de Teresina (Piauí). E em São Luis, o Instituto Federal do Maranhão organiza o IX CONNEPI, congresso científico que lança pela primeira vez o Universo IF, espaço dedicado aos jogos, startups e à pesquisa de base tecnológica aplicada.
E assim, em meia dúzia de parágrafos, me parece claro a força do empreendedorismo inovador nessa região. E que não é legítimo vincular o povo do Nordeste à opção de voto apenas pelo bolsa família. Talvez seja possível afirmar que as políticas de inclusão social e educacional fortaleceram um talento natural que o Nordeste já tinha – para também empreender na economia criativa. E que agora os frutos começam a aparecer. Só não posso é concordar com essa difamação e com o preconceito de que os nordestinos são acomodados, não tem ambição e que querem viver de favor – e por essa ótica que decidem seus votos. A garra e o talento dos empreendedores digitais do Nordeste é prova disso. Ou não é?
Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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