Esses dias recebi uma mensagem do nosso editor, Daniel Fernandes.
Tenho a sugestão de um post na linha desconstruindo a inovação porque a Atari que era um fenômeno na década de 80 morreu. O que deu de errado do ponto de vista empreendedor e da inovação?
Fiquei pensando muitos dias na resposta. Pois além da Atari, também a Olivetti, a Parmalat e muitas outras marcas de sucesso morreram. A Sony semana passada anunciou a saída do mercado de eletroeletrônicos. E há uma resposta simples: elas não perseguiram a inovação constante. Quem se acomoda vai ficar comendo pó da concorrência, simples assim. Tanto que muitas empresas (como a 3M, Natura, IBM, Google, GE, Apple, Samsung, Unilever só para citar alguns exemplos) já incorporam práticas de inovação como regra. Hoje, elas não observam, elas criam o futuro.
Mas achei que a resposta simples talvez não fosse suficiente. Acho que a pergunta mais relevante é – se então, as empresas JÁ SABEM que precisam inovar, por que a grande maioria ainda não inova? Todos os dados estão claros e divulgados – inovar dá lucro, gera valor, é o caminho para a sustentabilidade / perenidade… Por que a maioria se acomoda? Pareceu-me que essa, sim, era a verdadeira indagação do nosso prezado editor. E para respondê-la não queria apenas me ater ao esperado…
Foi ai que me caiu nas mãos, para releitura, O Auto-Engano, de Eduardo Giannetti. Sempre fui fã desse livro. Quem me apresentou foi Sérgio Storch e em 2006 devorei pela primeira vez – e depois fiz repetidas leituras de trechos. E foi num momento desses de releitura que tive o insight: talvez a resposta seja que o empresário não pode se deixar levar pelo canto da sereia… O canto da acomodação. De permanecer na zona de conforto do sucesso momentâneo para evitar o desconhecido. Para compreender o poder do canto da sereia, peço licença para usar das palavras do Giannetti:
“As sereias eram criaturas sobre-humanas: ninfas de extraordinária beleza e de um magnestismo sensual. Viviam sozinhas numa ilha do Mediterrâneo, mas tinham o dom de chamar a si os navegantes, graças ao irresistível poder de sedução de seu canto. Atraídos por aquela melodia divina, os navios costeavam a ilha, batiam nos recifes submersos na beira-mar e naufragavam. As sereias então devoravam impiedosamente os tripulantes. O litoral da ilha era um gigantesco cemitério marinho no qual estavam atulhadas as incontáveis naus e ossadas tragadas por aquele canto sublime desde o início das eras”.
Bingo! O sucesso causa a acomodação – e esse é o canto que seduz e faz paralisar. O empresário evitar mudar pois tudo está indo bem. Mas o mundo está mudando, o consumidor está mudando… E quem não cria o novo, acaba sucumbindo… O que deu de errado do ponto de vista empreendedor e da inovação?Algumas empresas quando alcançam a liderança acharam que o sucesso seria eterno. Esse é o canto da sereia que seduz e inebria.
Assim que passou a euforia da descoberta da metáfora, fiquei pensando. Mas qual a saída? Como vencer essa tentação? Encontrei uma resposta no próprio Giannetti, onde ele diz que existem duas soluções conhecidas. “Uma delas foi a encontrada, no calor da hora, por Orfeu, o incomparável gênio da música e da poesia na metodologia grega”, que conseguiu cantar mais alto que as sereias, desviando a atenção da tripulação na passagem sem perigo pela ilha.
“A outra solução foi a encontrada e adotada por Ulisses no poema homérico. Ao contrário de Orfeu, o herói da Odisséia não era um ser dotado de talento artístico sobre-humano”. Sem saber cantar, Ulisses pediu a seus marinheiros que tampassem seus ouvidos com cera – e depois o amarrassem ao mastro, de ouvidos limpos, de forma que conseguisse ouvir o canto irresistível, mas nada fazer para sucumbir. Conta a história que Ulisses quase enlouqueceu, mas conseguiu tanto experimentar ouvir o canto, como sobreviver ao desafio.
Portanto, há solução. Buscar diferenciais, testar alternativas, desenvolver talentos, ser criativo – esse é o caminho para não sucumbir. Mas há que ser pró-ativo para não deixar-se seduzir pois o sucesso é o canto da sereia que encanta e acomoda.
PS – Os trechos citados do Auto-Engano, são da edição da Companhia de Bolso, numa edição de 2005 e estão nas páginas 178 e 179 do livro. #ficaadica
Por Marcelo Pimenta (Menta90). Jornalista, professor e criador do blog Mentalidades.
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